Todo mundo já inventou uma mentira inocente, seja para pregar uma peça em um amigo ou não magoar alguém. Especialistas apontam que as mentiras estão nas pequenas ações do dia a dia e têm uma função social: ajudam a evitar pequenos conflitos e estresses desnecessários.
É o que acontece, por exemplo, quando seu chefe pede uma nova demanda a poucos minutos do fim do expediente e você, mesmo sem querer, diz que está tudo bem; ou quando você elogia a roupa de alguém, mesmo que não tenha gostado nem um pouco daquela peça.
“Seria mentira dizer que ninguém mente”, garante o neurocientista Leandro Alcerito, em entrevista.
O especialista explica que a mentira é a construção de uma realidade que não existe e, para isso, é preciso usar várias áreas do cérebro, como o lobo frontal e o lobo ventromedial. O esforço mental é grande.
“Tanto é que o bom mentiroso costuma ser bastante inteligente”, acrescenta.
Para o psiquiatra Daniel Bastos, essas “mentirinhas sociais” não têm consequências graves e, inclusive, protegem o indivíduo. Ele é até radical ao avaliar a importância desse ato para nossa convivência enquanto sociedade: “Sem esse tipo de mentirinha que contamos o tempo todo, o mundo estaria caótico”.
Quando começamos a mentir?
É possível que você não lembre quando e qual foi sua primeira mentira, mas a ciência já aponta que o ser humano está pronto para deturpar algumas histórias a partir dos 2 anos de idade. É nesse momento da infância que o cérebro passa por transformações que marcam nosso desenvolvimento enquanto ser humano.
“O início da mentira na vida marca a transição cerebral. Crianças muito pequenas não mentem porque a área do cérebro responsável por executar mentiras ainda não está desenvolvida”, explica o neurologista.
A psicóloga Rosana Candido Primi acrescenta que as informações falsas começam a surgir na infância quando faltam argumentações baseadas na verdade. Nessa fase, a mentira funciona também como um mecanismo de defesa para baixa autoestima, já que a criança ainda não confia em si mesma.
“As crianças não entendem que podem pensar diferente, ainda não confiam em si mesmas”, acrescenta.
Pode se tornar compulsão
É consenso entre os especialistas que a mentira é uma necessidade social, ou seja, precisamos dela para manter certas relações sociais. O problema é quando a mentira se torna uma compulsão e alcança o patamar de mitomania. Em alguns casos, como os de psicopatas, as pessoas acreditam em realidades construídas e usam essa mentira para manipular os outros.
De acordo com o psiquiatra Daniel Bastos, a mitomania ainda não é uma patologia reconhecida, mas a compulsão por mentir é uma condição clínica que deve ser tratada.
“Sabemos que essa condição está presente em alguns transtornos psiquiátricos, como nos transtornos de personalidade”, diz o médico, que menciona ainda o boderline, o narcisismo e a psicopatia.
Uma das grandes diferenças do mentiroso esporádico para o mitômano é que, no primeiro caso, a pessoa mente para ter proveito ou vantagem em alguma situação, enquanto o mitômano mente com o objetivo de aliviar alguma dor psicológica. Nessa situação, o ato de mentir é para se sentir confortável com a própria vida, parecer mais interessante ou ter assuntos que se encaixem em um grupo social que o mitômano não se sente capaz de entrar.
O tratamento da mitomania pode ser feito através de sessões psiquiátricas e psicológicas, nas quais a pessoa será incentivada a entender quais são os motivos que levam à criação das mentiras. A depender de cada caso, cabe também tratamento com antidepressivos e ansiolíticos.